Provas Nacionais 2025
-Prova Final de Matemática do 9.º ano-
Parecer da Sociedade Portuguesa da Matemática (SPM)
"Realizou-se, no final desta semana, a prova final de Matemática do 9.º ano. Trata-se de um marco fundamental na avaliação da aprendizagem ao longo do ensino básico, especialmente considerando que os alunos envolvidos apenas realizaram, ao longo do seu percurso em Matemática, uma prova de aferição há sete anos, quando estavam no 2.º ano de escolaridade. Contudo, a edição deste ano trouxe alterações consideráveis a esta prova que suscitam preocupações legítimas sobre a sua adequação e impacto no sistema educativo.
A Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) não pode deixar de dar o seu contributo relativamente a três aspetos principais que considera relevantes nesta prova: o facto de não ser pública, a escolha do formato digital na sua aplicação e a falta de debate prévio sobre estas duas alterações.
1. A prova não é pública
Esta decisão representa uma mudança no paradigma da avaliação dos alunos. O governo justifica esta decisão com base na metodologia das avaliações internacionais PISA, argumentando que a não publicitação da prova permite garantir a comparabilidade entre provas das sucessivas edições ano após ano. Este argumento é dificilmente válido, uma vez que o PISA avalia sistemas educativos e não alunos individualmente. Destacamos que estas provas finais têm consequências diretas no percurso académico dos alunos, enquanto o PISA não.
A SPM considera que a ausência de provas públicas impede o escrutínio público por parte de professores e especialistas, essencial para assegurar a qualidade pedagógica das provas, sendo que a transparência é fundamental para gerar confiança nos alunos, pais e professores relativamente ao sistema de avaliação. Tendo em conta que se trata de provas finais do Ensino Básico, a ausência de mecanismos de validação externa enfraquece a credibilidade do sistema de avaliação e impede a verificação independente da qualidade e adequação dos itens, do equilíbrio global da prova e dos critérios de classificação utilizados na elaboração destas provas.
Tudo isto, existindo no nosso país um historial de diversas provas feitas com insuficiências, nomeadamente na sua consistência de ano para ano, com graus de dificuldade muito variados, por vezes dando ilusão de progresso a políticas educativas que não tinham base científica, o que torna ainda mais questionável a entrega cega ao ministério da responsabilidade da prova.
De facto, verificámos algumas vezes no passado a inflação de notas nas provas finais e exames que depois foram contraditas pelas avaliações internacionais, como o PISA e TIMSS. Foi preciso, por exemplo, esperar por estas provas para conhecer a realidade educativa após a pandemia da Covid-19. Até terem aparecido os resultados dessas provas internacionais, o ministério divulgou resultados otimistas que se vieram a verificar errados e muito enganadores.
Acresce que, desconhecidas as provas finais, estas perdem uma das suas principais funções: ajudar a estabelecer o grau de exigência das provas internas às escolas e incentivar o estudo dos alunos.
Decisões tomadas sem consulta à comunidade educativa refletem uma abordagem que ignora vozes críticas e comprometem os princípios democráticos na formulação de políticas públicas. Na educação, a ausência de diálogo tende frequentemente a limitar a possibilidade de encontrar soluções equilibradas que preservem tanto a transparência quanto a comparabilidade entre provas e o seu equilíbrio no futuro.
Em suma, a SPM considera esta medida pouco avisada e paradoxal. Por um lado, a comparabilidade exige indicadores estáveis, mas a não publicação impede a verificação independente desses indicadores. Salientamos que este não foi o caminho que nos levou a uma maior transparência no sistema educativo e aos melhores resultados alcançados há cerca de uma década. Relembramos, a título de exemplo, decisões anteriores como a divulgação dos rankings — na altura fechados ao público em geral — que foram duramente criticadas porque a falta de transparência implica e gera precisamente a desconfiança, tal como este caso está a suscitar.
2. A prova passou a ser aplicada digitalmente em formato híbrido
Tendo por base o cenário explicitado anteriormente, a SPM reforça que a aplicação digital é outro aspeto crítico que vem somar preocupações às já referidas. Embora a digitalização possa trazer aparentes vantagens em termos logísticos e de acessibilidade, apresenta sobretudo fatores que deveriam implicar uma ampla reflexão para acautelar a validade e a fiabilidade na construção de provas digitais. A digitalização levanta preocupações quanto à validade do conteúdo e às consequências da avaliação. A tendência para criar estruturas ou itens "mais amigáveis digitalmente" – privilegiar questões de resposta curta ou de escolha múltipla, em detrimento de itens que exijam explicação detalhada, argumentação ou demonstração de raciocínio matemático – limita claramente o alcance pedagógico das provas de Matemática, nas quais o domínio de procedimentos e a adequada sequência na realização de etapas é substancial. A ausência de escrutínio externo agrava ainda mais estes riscos, dificultando a identificação de erros ou enviesamentos nos itens avaliativos.
A SPM alerta que estes problemas, não devidamente debatidos e estudados, podem reduzir o valor formativo e avaliativo das provas e levar à consequente diminuição dos desempenhos dos alunos.
Estudos académicos sobre avaliação digital sublinham precisamente o risco referido, alertando para o impacto negativo que estes aspetos podem ter na avaliação em Matemática.
A opacidade do sistema gera um ciclo vicioso: provas não públicas limitam a crítica especializada; esta ausência de crítica perpetua erros na construção das provas; por sua vez, esses erros contribuem para o empobrecimento curricular. É sobretudo este aspeto que merece o alerta da SPM à sociedade."
(SPM, 20 de junho de 2025)